O planejamento urbano na era digital pode e deve usufruir da quantidade de dados gerados pelas novas tecnologias de transporte, que contêm informações vitais para o planejamento de políticas, regulamentação e supervisão de mobilidade. Existe uma tensão entre governos e empresas privadas de mobilidade e serviços que operam no domínio público a respeito do acesso à informação gerada. Muitas empresas têm interesse financeiro em limitar o acesso aos dados que seus serviços geram, contrariando uma lógica de contrapartida social. Ao mesmo tempo, a rápida adoção desses serviços e seu impacto na rua e em seus usuários significa que as cidades precisam de acesso a dados sobre como seus veículos estão operando.
Assim, a exigência do acesso a dados de serviços de mobilidade que operam na faixa de domínio público deve se tornar um requisito padrão para operar no domínio público e, assim, subsidiar tomadas de decisão e políticas informadas. Outro aspecto importante é o uso da autoridade para emitir e fazer cumprir acordos contratuais que orientam as ações do setor privado e protegem o interesse público. As cidades devem se esforçar para selecionar fornecedores que coletam, gerenciam e compartilham dados de uma maneira que se alinhe às políticas de privacidade da cidade. Sempre que possível, devem reforçar os objetivos das políticas por meio da aplicação rigorosa dos termos contratuais.
Ao estabelecer os princípios para o gerenciamento e monitoramento de dados de mobilidade, as cidades podem ajudar a formar um mercado de mobilidade justo e robusto e proteger a privacidade individual e do cliente. A criação de uma base de dados monitorada, somada a uma análise descritiva, diagnóstica, preditiva e prescritiva, também permite uma melhor elaboração de cenários e, consequentemente, a elevação da eficiência do serviço de mobilidade a partir do comportamento do usuário.
Recentemente, no Rio de Janeiro, foi implementado em caráter piloto um modelo de monitoramento dos deslocamentos urbanos a partir de dados fornecidos pelas operadoras de celular (SILVA, s.d.). O modelo foi testado na via expressa Transoeste, que opera ônibus articulados (Bus Rapid Transit – BRT) circulando entre uma centralidade e bairros periféricos, de modo a avaliar o impacto das mudanças de comportamento de viagem através da incorporação de uma nova infraestrutura de transporte de massa.
Apesar do enfoque na mobilidade urbana, a iniciativa é oriunda de uma pesquisa da área de saúde que buscava identificar os fluxos de circulação de doenças na cidade, a exemplo da dengue, o que demonstra o potencial da interdisciplinaridade para medidas de monitoramento. A matriz com uso de dados de celular permitiu dois tipos de análise: de eventos e mobilidade. No primeiro caso, foi possível estimar o número de pessoas concentradas num local (evento) e sua procedência. O segundo tipo de análise foi orientado diretamente para decisões de engenharia de transportes. Os dados de celular permitem análises mais rápidas e precisas de mobilidade urbana em comparação a métodos tradicionais, como realização de entrevistas com a população, que são caros, trabalhosos, morosos e de difícil previsibilidade.
Esse tipo de monitoramento mostrou seu potencial para melhorar as análises de mobilidade no Brasil e abre caminhos para o amadurecimento do próprio monitoramento de viagens realizadas no âmbito da micromobilidade. Indiscutivelmente, o monitoramento de dados pode permitir uma leitura mais acurada das necessidades de deslocamento e, desse modo, promover maiores insumos para tomadas de decisão orientadas para a justiça social.